Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

quarta-feira, abril 18, 2012

Marjane Satrapi | Irão, em quadrado cru



Tornou-se mais conhecido o filme homónimo, codirigido pela autora com Vincent Paronnaud em 2007, mas Persépolis, de Marjane Satrapi (n. 1969), ainda é o melhor romance gráfico de sempre. Agora editado por cá num único volume, o livro surgiu primeiro em quatro tomos, editados entre 2000 e 2003 em França. O seu maior trunfo é o estilo visual cru conjugado com a narração sensível e empática, de uma naturalidade quase infantil, da autobiografia de uma iraniana que nasce durante o regime do Xá Pahlavi, cresce durante a Revolução Islâmica de 1979 e sob o regime islâmico de Ayatollah Khomeini e parte para Viena no início da guerra Irão-Iraque. Até ao regresso ao Irão, onde estuda artes gráficas e se casa antes de partir de novo para a Europa, Marjane-Marji, a autora e protagonista desta BD a preto e branco, é uma rebelde sonhadora totalmente desajustada das circunstâncias à sua volta. Não poderia se não resultar numa heroína pícara moderna, esta bisneta de um imperador, neta de um príncipe que se torna comunista e filha de um casal de marxistas da classe alta. Segundo o crítico de arte Peter Schjeldahl, Marjane criou as regras do romance gráfico maduro: «ter uma vida aventurosa, lembrar-se de tudo, contá-lo de forma direta e ser muito corajoso».

 
Aos 13 anos, estudante num liceu francês de Teerão, «tinha aprendido que se deve sempre gritar mais alto que o nosso agressor». Escutar Iron Maiden ou calçar ténis Nike eram a máxima expressão de liberdade. Após a auto-libertação vivida em Viena (onde se torna punk, trafica droga e acaba a vasculhar caixotes do lixo) e o regresso a casa, Marji sabe que é «uma ocidental no Irão, uma iraniana no Ocidente». Persépolis vive deste desajuste permanente, encarado com uma cândida bravura, flutuando entre o trágico e o hilariante. Sem autocomiserações, Marjane vai sempre direta ao que vê e ao que sente, sem meias tintas (nenhuma gradação de cor, os rostos sempre inexpressivos). A consciência da tortura, da morte, do caldo repressivo à sua volta colide com a «muito persa», e inevitável, «filosofia da resignação», assim como a vida em privado com a vida em público, a tradição com o progresso. A maior curiosidade desta história a preto e branco é provar que a vida se pinta de forma totalmente contrária.

Persépolis, Marjane Satrapi, Contraponto, 351 págs.
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)